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Os que recorrem ao feitiço não se sentem acolhidos pelas políticas de justiça social", - Filósofo Alcides Chivango

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    Redação.ao
  • 26 de jun. de 2024
  • 5 min de leitura

Por: Agostinho Gayeta



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A feitiçaria resulta de uma dinâmica sobrenatural, espiritual e obscura praticada para proteger, fazer mal a outrém ou ainda evitar que o mal aconteça, seja a nível pessoal, familiar ou de uma comunidade. Esta prática milenar na cultura africana é bastante controversa havendo quem defenda a sua inexistência, outros a sua extinção devido aos prejuízos humanos causados na sociedade. Há quem também defenda a sua continuidade pois que, para estes defensores de ciências ocultas, o feitiço representa o poder, a capacidade de protecção, segurança e defesa de um povo.


De acordo com o analista Albino Pakisse, que cita o livro “Cultura tradicional bantu”, da autoria do Padre, Raul Altuna, o feitiço, que faz parte da magia oculta, resulta de um conhecimento multidimensional capaz de proporcionar a cura, defesa, protecção assim como para causar dor, sofrimento e muitas vezes levar pessoas à morte por razões puramente ligada à inveja. Envolvidos nesta prática, segundo o Filósofo e Jurista, estão três figuras: o feiticeiro ou bruxo - aquele que faz mal a outrem com recurso à dinâmicas e forças espirituais, o quimbandeiro - aquele que interpreta sonhos e acontecimentos, prevê o futuro, cura e faz feitiço, o curandeiro - aquele que com forças igualmente espirituais cura pessoas enfeitiçadas.


O filósofo refere que o feitiço é uma ciência oculta com um conjunto de técnicas capazes de utilizar, pôr em acção ou neutralizar as forças vitais activas na sociedade, porém que se socorre da utilização das vidas humanas para garantir o seu poder.


«Aquilo que nós pudemos aprender de algumas pessoas desde mais velhos, sobas e outros, é que os verdadeiros feiticeiros dominam algumas almas no mundo espiritual. Eles matam certas pessoas e adquirem domínio sobre as almas destas que aos olhos do mundo físico terão morrido, mas estas ficam por um determinado tempo a trabalhar para elas», disse o filósofo Albino Pakisse quando fazia o enquadramento sociológico, antropológico e filosófico das consequências socioculturais da prática de feitiçaria em Angola.


Por outro lado, Albino Pakisse compreende que cada povo tem uma dinâmica sociológica, antropológica e cultural própria onde determinados conhecimentos são passados de geração em geração por meio da oralidade. «Todos os povos têm uma compreensão psíquica da realidade, e do ponto de vista antropológico têm uma compreensão semântica da realidade própria e dai definem a sua filosofia».


É na oralidade, segundo Albino Pakisse onde reside a passagem de testemunho dos mais velhos aos mais novos para continuidade das crenças da comunidade. São estas crenças que, em algumas aldeias, provocam as desavenças, daí a necessária presença de sobas – autoridades tradicionais com poder de regular a vida social e cultural de uma comunidade intervindo para solução de muitos problemas tradicionais na comunidade.

O feitiço é uma questão de crença pessoal, já que, a sua existência ainda não foi provada cientificamente.


A prática de feitiçaria causa miséria e danos a outros e, a sua realização exige rituais obscuros que resultam em acções maléficas contra terceiros, disse o Filósofo e especialista em Neuropsicopedagogia, Alcides Chivango.


É também usado para instaurar o pânico, o medo ou ainda exercer poder sobre os outros para além de garantir a quem possui um controlo social da comunidade ou sobre quem se pretende atingir.


O problema não está apenas localizado nas comunidades, ou seja, nas zonas rurais. Em muitas instituições públicas e privadas, em espaços urbanos há relatos de práticas de feitiçaria.


Muitos cidadãos têm sido vítimas de “tala”, uma mina tradicional capaz de levar à morte, a amputação dos membros superiores e ou inferiores e outras doenças crónicas graves cuja medicina moderna não encontra solução para cura. Albino Pakisse cita como exemplo um caso ocorrido no centro da capital angolana que terá resultado na morte de duas crianças.


A prática não é apenas realizada por adultos. Existem muitos relatos de crianças acusados destas acções e que foram submetidas à tortura, chegando mesmo a conhecer a morte.


Os idosos são as principais vítimas das acusações. Sob fortes torturas muitos deles confessam a prática de feitiçaria e se assumem como causador de mortes nas comunidades.


A cultura do feiticismo deve ser combatida pelas autoridades tradicionais, religiosas, pelo poder político e todas as forças vivas da sociedade, mas é um grande desafio na medida em que muitas pessoas recorrem à estas práticas obscuras com objectivo de ascender seja financeira como profissionalmente.


O Neuropsicopedagogo, Alcides Chivango, explica que em parte a crença nas acções feiticistas é alimentada pela fome, pela miséria que graça muitas comunidades e pela ausência de saúde mental, por isso recomenda realização de um estudo profundo a respeito.


«É um mal na sociedade que é possível combater com a educação. Se educarmos a população no amor ao próximo e nos princípios de cidadania poderemos reduzir tais práticas na nossa sociedade.


Hoje vimos muitos intelectuais que para terem cargos de destaque na empresa e na sociedade vão em casas obscuras para receberem um tratamento no qual acreditam que lhes proporciona oportunidades únicas de melhorar a sua condição de vida», disse o Psicólogo que apela as autoridades a não ignorarem esta prática angolana que tem assassinado pessoas que agregam valor à sociedade.


A prática de feitiçaria atrasa o desenvolvimento social, político e económico do país, afirma Rui Mangovo, Presidente da Associação Presença Cívica de Angola. O activista cívico defende que é preciso que todos os cidadãos tenham domínio dos princípios de cidadania e de educação moral e cívica.


É a educação das pessoas sobre os aspectos positivos da sua cultura e das suas tradições que vai mudar o quadro, sem excluir a realidade da prática de feitiçaria no país.


«Nós temos que afastar as pessoas destas práticas educando-as, sem ignorar as suas tradições e culturas.


Temos que criar uma cartilha dos nossos valores. Fala-se tanto do resgate dos valores, mas o que perdemos e precisamos ninguém nos diz. É um facto que temos de fazer uma cartilha de valores de Angola. Alguém tem que cartilhar isto e nele fazer constar os nossos valores, como resolver problemas desta natureza».


O Psicólogo Alcides Chivango acredita que os que recorrem ao feitiço não se sentem acolhidos dentro das políticas de justiça social, por isso defende a urgência na tomada de medidas que visam a igualdade social e a formação do homem novo por meio da criação de mais escolas e aposta na educação.


«Eu acredito que estes homens de práticas feiticistas eles não foram acolhidos, sentiram-se desprezados, inúteis e não viram solucionados os seus problemas. É urgente que as autoridades tradicionais, eclesiásticas e do governo incutem uma justiça social baseada na construção de uma nova sociedade por meio da educação e do diálogo aberto».


É possível encontrarmos soluções justas para os nossos problemas e não o recurso ao feitiço, refere o analista para quem a resolução passa pela promoção da consciência cívica e cidadã.

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