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ESCRITOR JORGE MALUTIDI CONSIDERA WYZA UM GÉNIO DA MÚSICA ANGOLANA


Por: JORGE MALUTIDI



 

O escritor nos últimos dois anos tem se dedicado, a escrever sobre algumas figuras notáveis da sociedade Angolana, por isso, nesta edição fala do contributo do músico, compositor e instrumentista, João Sildes Bunga, " Wyza".


Há vários anos que me venho dedicando a conhecer o percurso histórico do músico, Wyza, por isso, hoje 15/07/24, a partir de Nairobi, decidi partilhar a minha singela homenagem a este filho da nossa Mãe Angola, terra linda de gente talentosa, muitos deles ainda por se descobrir.

O cantor, compositor e instrumentista angolano, João Sildes Bunga ou simplesmente Wyza , nasceu, no Bungo, província do Uíge , conhecida também por terra do Bago Vermelho, em 1975.

 

Ainda na terra natal ao lado da sua mãe, Elisa Mbunga, Wyza aprendeu a tocar Kisanji cujo nome vária de região em região, é um instrumento musical muito usado na cultura Kongu , produzindo um ritmo agradável de se ouvir. “ É tocado em festas, cerimônias, rituais e também para musicar sapiência ao povo”, segundo o historiador Amado Kibas.

 

É certo que nem sempre era para dançar quando se toca kisanji. O Professor Amado Kibas faz-nos viajar nos anos 30 a 70, ao referir que no bairro mahonda,  Uamba, município de Sanza Pombo Uíge, província do Uíge “ o velho Cassassa foi um filósofo muito conhecido que ensinava o povo do seu tempo cantando ao som de kisanji com mensagens de sabedoria às vezes difícil quanto a sua interpretação, e para desmistificar os aldeões chamavam um  nganga nvuala ” (língua kikongo), homem ou mulher com conhecimento, sapiência ou sagacidade (do latim sapere) — que tem sabor, e equivalente em grego "sofia" (Σοφία), de acordo com (Dicionário Aurélio).

 

Entretanto, algumas vezes, este instrumento era acompanhado com cantos, batuques refinados, feitos com pele de animais, às vezes adicionados com outros instrumentos como: lungungu , arco de corda de niton até por mulheres emitindo um som cintilante, o encuene , uma flauta de dois sons e o gongue , duplo sino manual, revisitando assim, parte do nosso mosaico cultural, formando deste modo, uma verdadeira orquestra.

 

Naquelas ocasiões, os aldeões consumiam o malavu de bordão, de palmeira, o makazu e ngadidi e os movimentos dos pés violavam a terra corruptível, gerando por isso, uma grande nuvem “celestial” e quem via de longe não ficava à margem, corria de aldeia em aldeia, atravessando rios e cruzando montanhas, fugindo dos animais ferozes, o leão e a onça, até mesmo gente disfarçada de “ matombula ” ou ininga ya mbi (demônios), agitando-se também na roda longa quase que interminável, cujo círculo embebedava-os ainda mais.

 

O historiador sublinhou que eram festas convidativas “ malongo kufua mo”, ou seja, casamento desmoronando por teimosia de muitas mulheres amantes da dança; ou ainda “ inzu kugina” tô, “ panelas a queimar, reforçou.

 

Depois de uma longa viagem, em Luanda, Wyza não desistiu de lutar, sonhar e abraçou um mundo novo, antes imaginário. No Rangel "seduzia" os ouvidos de quem o ouvisse, aliás, nesta caminhada cruzou-se com o músico, João Alexandre, um outro ícone da nossa música que, o convidou a gravar o disco intitulado Kitsoma.

 

Mas foi com a música “ Mpasi ” em língua kicongo “sofrimento”, que tornou-se mais conhecido, conquistando, um público diversificado e apaixonado pela música tradicional angolana, através das rádios Luanda, Ecclesia e não só.

 

Ao longo da carreira conquistada com humildade e fé, venceu no seu tempo todo o preconceito de um jovem que vinha do interior de Angola, ainda complexa em aceitar com naturalidade o “ Mukwa kwiza (do Cokwe) ”.

 

Em conformidade com os seus depoimentos no programa talentos da Televisão Pública de Angola, numa reportagem feita pelo jornalista, Isidro Chiteculo, no dia 30 de Agosto de 2012, Wyza , procurava afirmar-se no mundo da música, mas na altura a esposa estava concebida e não tinha emprego. Diante disto, foi ter com Guerra do estúdio (Maianga Produções), porém não estava ainda concluído e no mesmo local começou a trabalhar como eletricista e pedreiro, até que a obra terminou.

 

Passado algum tempo, ainda nesta produtora, veio a torna-se técnico de estúdio e ganhou mais conhecimento das técnicas musicais e visibilidade. No seguimento da entrevista Wyza disse e cito: “ somos muitos músicos em Angola que não sabemos ler a partidura e, é muito fundamental, porque o ser humano quando não sabe ler a partidura é difícil evoluir mesmo que evolua não vai muito longe ”, aconselhando assim, os mais jovens.

 

Mesmo na produtora, com a sua imponente voz e talento do menino do Uíge, valeu-lhe o convite do músico Paulo Flores que o convidou a partilhar o palco num dos seus espetáculos.

 

Com propósito de valorizar a sua identidade cultural, Wyza incluiu o “ Kikongo ”como língua de eleição para composição das suas melódicas, aglutinado com o ritmo kilapanga atuando, deste modo, como intérprete e exímio dançarino. 

 

Neste seguimento ao revisitar o repertório do artista , percebe-se que havia nele, uma mestria na harmonização do seu trabalho, deste os ritmos, as letras, a selecção dos instrumentos. É notável no início de cada música.

 

A música Bakongo , por exemplo: " no início ouvimos o toque de um instrumento tipicamente tradicional e no fundo um compasso, que conduz uma verdadeira harmonia, " Mbungo, Ndamba, Mucaba, Kuilo Futa, Macocola" ou ainda noutra, “ yaye ngana zetu, yaye mbongui zetu”.

 

Entende-se que Ngana zetu por “ nossas parábolas”, e mbongui zetu “nossas vilas”. Desta maneira, o músico mergulhava na alma do seu povo ao valorizar as suas raízes, da mesma forma, viajava para o além da percepção humana. Wyza ensina-nos para que não nos deixemos ser aculturados, frágeis, vulneráveis, com o processo da globalização que em muitos casos, nos leva a agir culturalmente como os Europeus e Americanos.

 

Além de mais, na letra “ yaye ngana zetu, yeye mbongui zetu”, usando um recurso linguístico em kicongo “ Nhena tu wila nzila twa  baluka ha mpambu. Ou seja, se perdemos as nossas origens, valores culturais, identidade ou caminho, temos que regressar ou recomeçar para ensinar as novas gerações a nossa matriz cultural, um escudo propício para auto defesa e preservação da identidade nacional, diante deste choque das civilizações, que tem sido já uma fonte de conflitos no mundo.

 

Nesta senda, é possível sentir os efeitos desde processo global em casa, na comunidade, na escola e nos locais públicos, o comportamento negativo de alguns cidadãos, fruto do mal uso das redes sociais. Por outro lado, testemunhamos, a falta de respeito aos mais velhos e vice-versa, a falta de humanização nos serviços públicos, filhos assassinando barbaramente os pais, vice-versa, violência no lar, a desonestidade, pessoas de várias idades vestindo-se forma indecente e vandalização bem colectivo, acções que ocorrem, em certos casos por influência

de algumas novelas, filmes americanos, europeus e não só.

 

 Wyza ajuda-nos a compreender que temos de continuar a trilhar a estrada da nossa identidade cultural para construirmos uma sociedade, justa, harmoniosa, transparente, saudável, respeitosa, educada, formando deste modo, cidadãos comprometidos com a pátria.

 

Importa referir que nesta longa trajectória, como era visionário teve como agente, o produtor e então apresentador do programa "Revista Musical" da Televisão Pública de Angola, Moisés Luís, que o ajudou a se afirmar no mundo musical. Sabe-se também que uma obra está a ser preparada a título póstumo.

 

Por conseguinte, chegou a gravar alguns discos cujo ritmo é para bons ouvidos, dos quais destacamos: “ África Yaya, 2004, “Kitsona”, e Bacongo, de 2008.

 

Certo que o conheci  na Rádio Ecclesia, aliás era uma casa que tinha vários amigos como Nsiona Júnior e Tomás de Melo que gostavam de entrevistá-lo, e é claro que com a sua belíssima voz e a guitarra, o espaço tinha muita audiência para um público pregado ao programa “ Raízes “Reggae ” (um gênero musical criado na Jamaica do fim da década de 1960) do Yenay “ Tomás de Melo”.

 

Era um jovem de estatura baixa de pele escura, sorridente, educado e algumas vezes usava chapéu e tranças tipicamente africanas, transmitindo sempre uma inenarrável originalidade.

 

Recordo que uma vez, nos cruzamos quase à porta do serviço, na R. Ecclesia, falámos rapidamente e logo saiu apressadamente com uma motorizada de marca “jog” de cor preta. Afinal, naquele dia estava ao lado de um génio, um homem com um timbre vocal sem igual.

 

 A ilustre figura homenageada partiu para a casa do Pai, no dia 5 de maio de 2017, deixou um rico património cultural. Seu legado até os dias de hoje, define-nos como um povo, como uma rica cultura.

 Wyza traduzindo em português “ venha ” era detentor de uma voz imponente, com uma capacidade interpretativa sem igual que sabia usar na harmonia perfeita da sua voz aos ritmos de Angola, construindo deste modo, uma verdadeira orquestra africana, agradável de se ouvir, muitas vezes com composições raras.

 

Perguntem ao mano Gabriel Tchiemba ou mesmo ao Paulo Flores, Wyza foi um profissional brilhante, dedicado, determinado, incansável, talentoso, seu trabalho o fez granjear muito respeito, cantou e encantou com bastante classe, sabia estar em palco, valorizou a cultura nacional e se entregou por uma Angola, defendendo-a fora das nossas fronteiras nos grandes palcos internacionais, com um público bem selectivo. 

 

 Wyza era um mestre, cuja obra deve ser continuamente divulgada por todos, por esse motivo desafio o meu irmão, o artista plástico, António Tomás Ana “Etona ” a reservar o seu tempo para esculpir uma peça de arte em memória deste génio da nossa música, aos jornalistas, aos fazedores de artes, aos académicos, aos estudantes, as casas de cultura de Angola espalhadas pelo mundo, entre outros, que se mantenham firmes na contínua divulgação da música angolana, neste caso particular a de Wyza , dando a conhecer cada vez  mais às novas gerações o legado este filho de uma Angola livre e independente.

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